sexta-feira, 5 de abril de 2024

25 de abril, 25 poemas

 Os Índios da Meia-Praia

Aldeia da Meia-Praia, ali mesmo ao pé de Lagos
Vou fazer-te uma cantiga da melhor que sei e faço

De Monte Gordo vieram, alguns por seu próprio pé
Um chegou de bicicleta outro foi de marcha a ré

Quando os teus olhos tropeçam no voo de uma gaivota
Em vez de peixe vê peças de oiro caindo na lota

Quem aqui vier morar, não traga mesa nem cama
Com sete palmos de terra se constrói uma cabana

Tu trabalhas todo o ano, na lota deixam-te mudo
Chupam-te até ao tutano, levam-te o couro cabeludo

Quem dera que a gente tenha de Agostinho a valentia
Para alimentar a senha de esganar a burguesia

Adeus disse a Monte Gordo, nada o prende ao mal passado
Mas nada o prende ao presente se só ele é o enganado

Oito mil horas contadas laboraram a preceito
Até que veio o primeiro documento autenticado

Eram mulheres e crianças, cada um com seu tijolo
Isto aqui era uma orquestra, quem diz o contrário é tolo

E se a má língua não cessa, eu daqui vivo não saia
Pois nada apaga a nobreza dos índios da Meia-Praia

Foi sempre a tua figura tubarão de mil aparas
Deixas tudo à dependura quando na presa reparas

Das eleições acabadas do resultado previsto
Saiu o que tendes visto muitas obras embargadas

Mas não por vontade própria porque a luta continua
Pois é dele a sua história e o povo saiu à rua

Mandadores de alta finança fazem tudo andar pra traz
Dizem que o mundo só anda tendo á frente um capataz

Eram mulheres e crianças cada um com seu tijolo
Isto aqui era uma orquestra, quem diz o contrário é tolo

E toca de papelada no vaivém dos ministérios
Mas hão de fugir aos berros inda a banda vai na estrada.

José Afonso

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