Afinal, para que serve a Semana da Leitura?
No final da Semana da leitura 2022,
vale a pena fazer esta pergunta; questionar o que fazemos e para que fazemos…
Encontramos uma boa resposta na crónica de Miguel Esteves
Cardoso, no jornal Público, na última
segunda-feira. Dizia ele que “não ler é sempre mais perigoso que ler”.
Reforçamos a palavra perigoso, pela carga negativa que acarreta e pelo estado
de alerta a que nos deve conduzir.
Não ler é perigoso, quer do ponto de vista individual, quer do
ponto de vista coletivo, porque nos afasta da nossa condição humana.
Porque nos impede de conhecer os outros e o que já descobriram.
Porque nos apouca as capacidades de expressão, de reflexão de
construção de conhecimento.
Porque nos impossibilita de viver múltiplas vidas e de, pela mão
(pela pena) do outro, experienciar o que os seres humanos já viveram, já
sentiram, já imaginaram, já recearam, noutras latitudes, noutros tempos…
Não ler é perigoso porque nos limita a liberdade: impede-nos de
conhecer a multiplicidade de opiniões sobre a mesma temática, que nos permitem
refletir e criar ideias próprias, reduz-nos a capacidade de bem compreender as
mensagens com que nos confrontamos, leva-nos com frequência a ser manipulados,
a não sermos vozes ativas nas questões que nos rodeiam e implicam, sejam elas
mais locais ou mais globais...
Não ler é perigoso ainda do ponto de vista económico – índices
menores de literacia conduzem habitualmente a menor capacidade de criar riqueza
e quando se pensa à escala macro, isso tem um enorme impacto no bem-estar
pessoal e social, individual e coletivo.
Não ler é perigoso também no que respeita à saúde, como bem
vimos durante a crise sanitária que temos vivido nos últimos anos.
E as memórias destes últimos tempos levam-nos a uma outra
ameaça, muitas vezes omitida: o perigo de não se saber que não se lê bem; o
perigo de se acreditar que decifrar as letras e as palavras é suficiente para
atingir uma boa compreensão e uma leitura plena.
Por todos os perigos que elencamos, a Semana da Leitura vem
abanar consciências, lembrar o risco de não capacitarmos as nossas crianças e
jovens, a nossa população, se não conseguirmos assegurar que todos leiam verdadeiramente.
Ler é o fogo que os seres humanos roubaram aos deuses. Nascemos
equipados para respirar, para caminhar, para sobreviver, para falar (mais ou
menos) … Fazemo-lo de forma inata e todos chegamos lá, mais cedo ou mais tarde.
Com a leitura não é assim. É necessário aprender e dificilmente acontece por
instinto. Passa por várias fases: começamos por decifrar lentamente ideias
simples e, à medida que atingimos velocidade e nos tornamos proficientes,
alcançamos níveis de compreensão cada vez mais complexos.
Hoje, mais do que ontem, ler é uma atividade que exige aos seres
humanos muitos recursos e diversas ações simultâneas – já não falamos “apenas”
de ler carreiros de letras bem enfiadas umas após as outras, mas para além
disso, há que ler imagens, gráficos, infográficos, filmes… Tudo ao mesmo tempo
e em múltiplos suportes.
Por isso, ler é difícil, embora saibamos que é possível torná-lo
fácil. E os sinais das dificuldades estão por aí: multiplicam-se os estudos que
vêm mostrar a falta de competências e simultaneamente a falta de hábitos de
leitura. E todos os que temos responsabilidades na qualificação dos nossos
concidadãos, sejam crianças e jovens, sejam adultos, não podemos ignorar os
avisos e os riscos, porque sabemos que não ler é perigoso.
Voltando à pergunta de partida (afinal, para que serve a Semana
da Leitura?), pode entender-se este momento como as olimpíadas ou campeonatos
do mundo ou quaisquer outros eventos desportivos. É a festa! Os atletas exibem
as suas especialidades com fluidez e é um gosto observar. Mas para que pareça
simples e fluido, muitas horas de treino suportam essa aparente facilidade,
muitos momentos de desânimo surgiram durante o processo, muita resiliência foi
necessário convocar.
Também para a leitura o treino e a resiliência são
indispensáveis: só lendo muito e muitos textos de diferentes tipos, de
diferentes extensões, de diferentes autores com diferentes propósitos, em
suportes diversificados é possível adquirir a desejada aparente facilidade.
Para isso, todos somos poucos.
Apenas todos juntos, reunindo diferentes habilidades e modos de
estar face à leitura, é possível proporcionar às crianças e jovens (e é esse o
público das nossas bibliotecas escolares) as numerosas oportunidades de
contacto com a leitura que conduzem, primeiro à fluência, depois ao gosto, de
que decorrem mais leituras e subsequentemente maior gosto, melhores e mais
profundas leituras, num ciclo que se sucede.
Nesta Semana da Leitura temos então a festa (o momento de
cigarra) que justifica todas as horas de trabalho de formiga. E tantas são as
formigas!
Desde logo, na mais tenra idade, os pais, as mães, os avós e
outros cuidadores que, diariamente fazem chegar o livro à criança – pouco
tempo, mas com regularidade;
Depois, nas escolas, os professores de todas as áreas
curriculares também estão convocados para proporcionar esses momentos
frequentes de contacto;
Também nas escolas, nas bibliotecas escolares, tantas são as
estratégias e os pretextos que os professores bibliotecários encontram para
trazer a leitura para o quotidiano dos alunos dos vários níveis de ensino;
Nas bibliotecas públicas, saímos do meio escolar, acrescentam-se
outros públicos e outros atores;
Contamos também com o trabalho precioso de mediadores de
leitura, de escritores e de tantos outros bons exemplos que nos chegam da
sociedade civil…
Obviamente, deste contingente de formigas indispensáveis também
fazem também todos os que, com cargos de decisão, determinam apoiar, com ações,
com reconhecimento, com financiamento, tudo o que se vai fazendo em prol da
leitura.
Observemos agora mais de perto a realidade mais próxima: as
bibliotecas escolares.
Tendo em conta a diversidade de ações que aí acontecem, a nível
nacional, para lhes dar visibilidade apelámos à sua divulgação e partilha
através do portal
RBE. Temos hoje o registo de cerca de 150 000 crianças e jovens
envolvidos, mas número cresce a todo o momento e muitos ainda não tiveram
oportunidade de registar a sua presença.
As propostas de atividades, que já se encontram visíveis no mapa
para isso disponibilizado, incluem o recurso a diferentes expressões e
linguagens, que assim ajudam à abertura e entendimento para as diferentes
realidades que o mundo comporta. As leituras que se sugerem e a literatura que
se oferece poderão ajudar a conquistar um posicionamento plural e
multidimensional tão necessários no mundo atual!
Afinal, para que serve a Semana da Leitura? Para refletir, para
valorizar, para celebrar. Para nos unirmos em torno da preocupação ligada ao
perigo de não ler. Para inspirar e apoiar todas as outras semanas de trabalho
invisível que se sucedem ao longo do ano.
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