terça-feira, 29 de abril de 2025

Kit de sobrevivência - Eduardo Sá

 

Eu acho que devíamos ter um kit de sobrevivência; sim. Composto de menos veleidade de que controlamos tudo e mais alguma coisa. Com um estojo de primeiros socorros feito com os números de telefone das pessoas importantes para nós. Sobretudo aquelas a quem não dedicamos breves segundos para lhes enviarmos uma mensagem breve, de vez em quando, a falar-lhes da falta que nos fazem. Com baterias suplementares com tudo o que possa ser energético e, em caso de necessidade, nos aqueça, como uma memória atualizada de todas as vezes em que fomos obrigados a ir a jogo, diante de todos os imprevistos, e, para nossa surpresa, depois de ficarmos com o coração a cavalgar, descobrimos que é nessas alturas que melhor distinguimos o que é bom do que é tóxico. (...) E com o verdadeiro canivete suíço que é a sabedoria humana. Sobretudo quando pomos à prova a nossa capacidade de convivermos com os imponderáveis, os azares e os falhanços, e descobrimos que ela se faz muito mais com erros e surpresas do que com todas as probabilidades com que nos imaginamos capazes de mandar na nossa vida (enquanto ela vai mandando em nós). E, é claro, com “enlatados”, aquelas coisas banais que mal valorizamos - tais como a garra, a astúcia, a paixão, a humildade e outras qualidades que não se degradam em contacto com o ar - que, sempre que vacilamos, nos alertam para a sensatez e para a força com que desafiamos aquilo que desconhecemos e protegemos quem amamos. A ponto de, só nessas alturas, descobrirmos que é de medo que se faz a coragem. 
E, por fim, não há kit de sobrevivência que se tenha sempre à mão a que falte uma lanterna. Daquelas que nos iluminam sempre que nos sentimos “apagados”. A ponto de descobrirmos que o maior de todos os apagões se dá quando nos distraímos do que é essencial. E metemos na cabeça que só quando se vive depressa se chega mais longe.

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